Descrição linguística

– O que é isto?

– É uma forma de bolo cheia de rolhas.

É mesmo? A um nível superficial de consciência de teor cognitivo trata-se, nada mais nada menos, de um aglomerado arbitrário de rolhas numa forma de alumínio destinada originalmente  à confeção de bolos.

A questão aqui é que somos imediatamente confrontados com um problema que atormenta a vida de milhões de indivíduos que povoam a terra: confundir uma descrição linguística com a “verdade”. O ponto crucial é que uma descrição destas, embora correta a um determinado nível de compreensão, é absolutamente desprovida de significado existencial.

E é isso que a maior parte das pessoas faz todos os dias com cada segundo da sua vida. Definir as coisas em termos de experiências passadas com a ajuda de linguagem, tendo como consequência a sensação de que “conhecemos” (controlamos) o assunto, quer dizer, confundindo, como se diz em PNL, o mapa com o território. Isso cria na nossa mente uma cortina espessa que nos vai impedir de viver a dinâmica energética deste fluxo sempre novo que é a vida. E é aqui, parece-me, que reside a essência da sensação de “vazio”: dizer que se trata de “uma forma de bolos cheia de rolhas” é viver numa espécie de vazio absoluto, uma vida desprovida de sentido.

Parece-me uma boa ideia desistir de acreditar nas nossas definições. Qualquer momento, qualquer experiência, qualquer sensação (quer a etiquetamos de positiva ou negativa) ultrapassa não só definições como a nossa própria capacidade de compreensão. E mais ainda, algo de que não nos apercebemos facilmente, qualquer experiência (que habitualmente definimos de positiva ou negativa) é o lugar exato para celebrar e realizar a Vida.

Se não, vejamos… uma forma de bolo cheia de rolhas…

Quantas experiências de sabores; a variedade dos produtos da terra e dos seus cultivadores, cada um com a sua história; os difusos caminhos do produtor ao consumidor; quantos encontros, quantas escolhas, quantas esperanças; quantas histórias foram contadas, lágrimas choradas ou gargalhadas, sonhos, desilusões, zangas, abraços; romances começados à luz da vela, metáforas acabadas num soluço, decisões tomadas ou novas amizades que surgiram numa taça erguida cintilante para realizar novos sonhos…

… um indescritível energético fluxo comparável a cada segundo da vida!

E se te perguntarem agora: – O que é isto?

Espero que me não respondas: – É uma forma de bolo cheia de rolhas.

E se te perguntar, sobre cada experiência da tua vida (a que tu chamas de positiva ou negativa): – O que é isto?

Será cada experiência muito diferente do que é uma forma de bolo cheia de rolhas?

 

 

José Figueira

23/05/2019